7 de maio de 2013

O mote é...Gato Borges também é cultura (e outras coisas mais!)


Vadiando pelas palavras
Nesta noite eu me encontrei
E tive que parar de ler o poema
Porque o gato Borges eu encontrei

Cara metido a besta! Chegou enfiando o focinho cor de rosa entre as páginas do livro que eu estava lendo, bem embaixo da lua cheia, para espairecer do susto que havia tomado algumas horas antes, lá em casa.
Estava eu fazendo minha toalete tranquilamente, sentado na cadeira em frente ao nosso laptop, quando ela o pega no colo e começa a ler em voz alta, enquanto o Marido prepara o jantar:
- Segundo o Dicionário Houaiss SEGREDO pode ser um: meio oculto, processo particular e eficaz para alcançar um objetivo; maneira especial para conseguir um dado efeito...
- O que é isso que você está lendo Laura?
- Pois vou descobrir agora Alê, tendo uma conversinha com o Nelson! O que isso quer dizer senhor gato? Quer dizer que você tem um segredo e achou que eu não ia descobrir?
Minha língua ficou estática na limpeza da pata dianteira. Minhas íris só não ficaram maiores porque vazariam pelas órbitas, e minha orelhas quase colaram no meu pescoço de medo dela achar que estava ficando louca ou nunca mais me deixar chegar perto do computador e da nossa biblioteca.
Mas tudo acabou bem, graças a Bast, a deusa egípcia felina que me protegeu enquanto contava para a Laura – este é o verdadeiro nome da minha dona – sobre a minha vida secreta. E ela, me contando como eu fui descoberto. Foi um ato falho tão estúpido, mas sei que já tenho duas fieis leitoras. Amo vocês, Paula e Gigi Tomate!
Como usei a caixa de e-mails da Laura para divulgar meu blog, elas foram as primeiras leitoras que detectaram o erro de revisão. Eu usei o nome dela ao invés do falso, então as duas alertaram sobre a falha (obviamente pensando ser ela a escritora); e o segredo foi revelado. Aí ela acessou o blog, leu e releu, riu, usou o Facebook para divulgar mais ainda minha obra e esperou a hora certa para me abraçar, beijar e me apertar de orgulho e satisfação em saber que eu me desenvolvi tanto a ponto de ler todos os seus livros – e os do Marido também - e escrever meu próprio blog. Tenho certeza que os dois conversaram sobre o ocorrido, porque já peguei ele tentando me flagrar escrevendo, mas o tolinho não se toca que só faço isso quando estou sozinho. Meu lema é: privacidade e concentração é tudo para uma boa criação. Mas qualquer dia eu vou jogar no computador dele para ver se ele gosta!
Tudo acabou bem, exceto pelo fato de que Borges, um gato branco que mora do lado da minha casa, se aboletou no muro e acabou interrompendo minha leitura.
E eu detesto ter minha atenção desviada para algo que seja outro gato, afinal, eu sou o único gato no mundo que pode interromper as próprias atividades!
- Quase Borges? Só pode ser “quase” mesmo, porque inteiramente Borges só eu e o Jorge.
- Que Jorge, Borges?
- Luis Borges!
- Anh?! É Jorge, é Luis ou é Borges?!
- São todos em um só: Jorge Luis Borges, black cat!
- Ah Borges, como você é enxerido né? Eu sei quem é o Jorge Luis Borges, e este livro é de poemas dele, traduzidos pelo Augusto de Campos.
- Este Augusto é um gato novo na vizinhança é? Nunca ouvi falar...Só sei que meu nome foi inspirado no escritor argentino. Fiquei orgulhoso quando comecei a ler as suas narrativas surrealistas e mágicas, tudo a ver com o universo felino... Mas não conhecia seus poemas! Me empresta?
- Ué sabichão, não sabe tudo sobre o seu xará, o Jorge Luis Borges? O grande poeta, tradutor, crítico e ensaísta brasileiro Augusto de Campos traduziu 20 poemas dele, mantendo os originais ao lado das traduções, deixando ao leitor mais atento (como eu) a possibilidade de caminhar pelos labirintos artísticos percorridos por ele para chegar a este belíssimo livro. Estava sendo magnífica minha leitura, até você me interromper, bem no último parágrafo da entrevista que o Augusto fez com o Borges em 1984, quando tentou a sorte tocando a campainha da casa dele. Imagino que o Borges gostou da ideia de bater papo com outro poeta e eu estava adorando ler, até você chegar...Posso terminar, ou não?
- Pode, claro que pode! Mas lê em voz alta ao menos um poema? E me empresta o livro quando terminar?
Estes dois Borges que cruzaram o meu caminho são realmente fantásticos e sedutores. Borges, o gato, percebeu que ficaria meu amigo exaltando minha voz rouca e bela. Além, claro, de conhecer os textos do Jorge Luis Borges que eu ainda não li. Este último me deixou curioso para conhecer mais profundamente sua produção literária quando descobri que ele também foi bibliotecário, como a minha musa e dona. Fiquei feliz em saber que tenho um novo amigo tão apaixonado por livros quanto eu, a Laura e o Jorge Luis Borges!
Segue para você leitor, o poema que melodiosamente interpretei ao gato Borges:

LIMITES
Dos caminhos que estendem o poente
Um (não sei qual) há de ser percorrido
A última vez, por mim, indiferente,
E sem que o adivinhe, submetido

A Quem prefixa onipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Às sombras, imaginações e formas
Que destecem e tecem esta vida

Se para tudo há término e há compasso
E última vez e nunca mais olvido,
Quem nos dirá de quem, em nosso espaço,
Sem sabê-lo, nos temos despedido?

Sob o cristal já gris, a noite apaga;
Do alto dos livros que um borrão tisnado
Da sombra espalha pela mesa vaga,
Algum deles jamais será folheado.

Há no Sul um portão enferrujado
Com grandes jarras de alvenaria
E tunas que a mim estará vedado
Como se fosse uma litografia.

Para sempre fechaste a porta certa
E há um espelho que te aguarda insano;
A encruzilhada te parece aberta
E a vigília, quadrifonte, Jano.

Entre as memórias sempre existe aquela
Que se perdeu um dia no horizonte;
Não se verão descer àquela fonte
Nem o alvo sol nem a lua amarela.

Não achará tua voz o tom que o persa
Deu à língua de aves e de rosas,
Quando ao ocaso, ante a luz dispersa,
Queiras dizer as coisas mais preciosas.

E o incessante Ródano e o lago,
Todo o ontem sobre o qual hoje me inclino?
Tão perdido estará como Cartago
Que no fogo e no sal viu o latino

Creio ouvir na manhã atarefado
Rumor de uma longínqua multidão.
É tudo o que foi caro e olvidado;
Espaço e tempo e Borges já se vão.

Quando terminei, os olhos do Borges estavam marejados. E os meus também. O silêncio só foi cortado por um sapato que voava por uma janela em nossa direção. Óbvio que alguns humanos ouviram apenas miados esganiçados. A arte e o amor pelos felinos ainda não tocou seus corações. Mas sempre há tempo...

Clique no título para saber mais sobre o livro Quase Borges: 20 transpoemas e uma entrevista, da Editora Terracota.

Até a próxima postagem, agora vou me alimentar deste cálido sol de outono. E você deveria fazer o mesmo!

5 comentários:

  1. Nélsonnnnnn, seu gato safado!! Apesar de não teres mandado um beijo pra mim, ajoelho-me diante de tanta sabedoria e sensibilidade. Obrigada pela dica de leitura. Deixa a tua dona saber que andas roubando as fontes do saber dela. Um beijo.
    Claudia

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  2. Ó minha admiradora Claudia...você não merece apenas um beijo, mas sim muitos ronronares, ao vivo e em cores (ou seja, vá lá em casa me fazer um cafuné, além de ler meu blog) tamanha sua admiração pela minha inteligência e sensibilidade...E só para você não ficar triste porque não te mandei um beijo...LAMBEIJOS para você!

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  3. Nelson, Nelson... Vou te fazer uma invejinha: tenho este livro com o devido autógrafo do Augusto de Campos! Vai ficar para a minha posteridade!!
    Um cafuné!

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  4. Puxa Bia...vou até tomar banho de tanta inveja mesmo! O livro da Laura não tem dedicatória! Ela é muito tímida, vou ter que dar umas aulas de simpatia felina pra ver se ela começa a pedir dedicatória em livros tão especiais como este! Guarde bem mesmo este seu exemplar. E uma piscada carinhosa para você!

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  5. Amei a declaração pública especialmente nesta data! Bjkssssss!! Sucesso!!!!!

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